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2004-12-17

Férias 

Temos mesmo de ir para férias de blog.
A minha parceira foi de férias, eu fiquei a fazer o trabalho dela juntamente com o meu. Não me parece que, nesta altura do ano, consiga bagagem para assegurar o trabalho das duas e o blog das duas.
Portanto, para quem eventualmente nos visitar, aqui ficam, desde já, os desejos de bom natal.
Por aqui, apenas pedimos ao pai natal que nos presenteie com um governo decente. Já nem nos importamos com o facto de só chegar lá para Fevereiro.
Bom natal, bom natal, bom natal.




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2004-12-16

Qual loura?! 

O meu trabalho hoje foi diferente do habitual. Foi no meio do cauchu. A minha partner foi de férias e sobrou para mim. Se, pelo menos, não trouxer um bronze decente, dificilmente lhe perdoarei.
O atendimento ao público é algo que faço muito pontualmente. Nas férias da Flor, claro. Gosto de o fazer, gosto de estar com pessoas, por oposição à solidão do meu gabinete desterrado no primeiro andar.
Mas há pessoas e pessoas. Entre telefones, colegas stressados, outros totalmente ausentes, doutores com o Dr. na lapela, velhos conhecidos que trazem sempre na manga uma anedota nova e outros que entram e saem sem que se dê por eles, lá vem um inconveniente. Que nem sequer é um simples inconveniente. É um incoveniente patético. Eu explico. Sou morena, tenho o cabelo escuro. Por brincadeira, uma amiga costuma dizer que somos meio marroquinas, por virmos do Sul, termos cabelos e olhos escuros e tez morena. Um cliente perguntou-me hoje se sempre fui morena. Por pensar que estava a gozar comigo (e se calhar estava mesmo), disse-lhe que não, que sou naturalmente loura mas que me apeteceu pintar o cabelo de escuro. Percebeu que estava a brincar e rematou com um “É que tem uma cor de cabelo e de pele tão bonita”.
Ora posto o facto de a maioria das mulheres portuguesas serem como eu, sou levada a pensar que o homem deve ter uma trabalheira imensa a dar esta cantada a todas as mulheres que encontra na rua.
Nada de mais, mas foi patético. E, só por causa das coisas, já foi para a minha lista negra.
É que ainda por cima, com tanto frio e com uma noite mal dormida, hoje não foi dos meus melhores dias.




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2004-12-15

De visita 

E pronto, parceira de malas prontas e pé já no avião rumo ao calor de Fortaleza e eu que me aguente com o cauchu.
Para que não me esqueça dela deixou-me aqui em casa o Freud, o cão da Mariana. Pobre cachorro que tanto cheira a cadeira onde esteve sentada e a porta por onde saíu a sua dona.
Olha-me como quem não sabe o que está a fazer nesta casa estranha, aceita fugidiamente uma festa e procura de novo a porta.
Quando a sua dona voltar já ele se terá habituado a nós, suponho.
O pior vai ser a minha filha que, imagino, me irá dar cabo da cabeça para ter também um cão dela.
A gente mete-se nestas alhadas e depois tem de sair delas, né?




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2004-12-14

O sismo 

O país tremeu ontem e aqui me confesso: a culpa foi minha.
Eu explico.
Fui a Tribunal ontem como testemunha de um amigo que se meteu em apuros sem saber bem como. Depois de me passear pelas lajes do tétrico Tribunal, lá veio a menina dos óculos grossos chamar-me. Segui-a com os passos que me são característicos e que fazem estremecer os móveis lá de casa e destrambelham os nervos dos vizinhos de baixo, seja em casa seja no escritório.
Deixei o chão de pedra para pisar o chão de madeira, mas nem isso atenuou a força da natureza que é o meu modo de andar. Eu entrei na sala de audiências e o país tremeu.
Qual jangada de pedra! Qual pedrinha lançada ao chão em Tóquio!
Em guarda!, que os meus saltos altos andam na rua!




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Avô Pratas 

É lugar comum dizer que só damos valor às pessoas quando nos faltam. Não é sempre assim. Muitas vezes reconhecemos o valor dessas pessoas e apenas pecamos por não lho dizermos.
É o que se passa com o nosso colega Pratas que, esperamos, tenha forças e alento para nos ler em casa.
O Pratas é o nosso colega mais velho. Já teve direito a alguns posts neste blog por ser uma figura tão característica, pelos seus famosos pontapés na gramática, pelo seu bigode, pelas gaffes, por não perceber o pontapé por debaixo da mesa, por pegar no entrecosto como uma madame que pega graciosamente na sua chávena de chá. Mas o Pratas é muito mais do que isso. É um profissional de mão cheia, do alto dos seus 70 anos. É um homem bem disposto e generoso, disponível e companheiro, amigo incondicional.
Adoptámo-lo, a Flor e eu, como nosso avô depois de fazermos contas e de lhe mostrarmos que sim, que poderia sê-lo.
Estas duas netas se, por um lado, lhe dão vontade de adiar a reforma e de continuar a aceitar abusos que nenhuma outra pessoa, no seu lugar, aceitaria, em termos do trabalho que lhe é pedido, por outro lado, dão-lhe cabo da cabeça. Uma é doce, carinhosa e infalível. A outra tem mau feitio e é fria e directa quando não lhe apetece aturar tretas. Uma aceita-lhe o beijo matinal a outra desatina com um breve toque no ombro. Uma aceita os elogios que faz de boa vontade, a outra passa-se com um olhar mais fixo. Uma fá-lo sorrir, a outra deixa-o ir muitas vezes para casa de cara amarrada.
Mas ambas nutrem por ele uma ternura imensa, uma ternura de netas para avô e mantêm uma relação de carinho, respeito e cumplicidade onde poucos mais entram.
O Pratas está doente. Está em casa. De baixa, pela segunda vez na sua já longa vida. Sentimos-lhe a falta. A casa e a mesa do almoço estão vazias. Nós estamos apreensivas. Queremos que volte depressa.
As melhoras, avô Pratas.




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2004-12-13

O regresso 

Voltar de férias é sempre estranho. A readaptação aos horários exigentes, às corridas matinais para os transportes públicos, à criança quase arrastada pela mão que, felizmente, vai cantarolando e rindo, ao café engolido em vez de saboreado, a secretária que nos aguarda, mais cinzenta do que quando a deixámos (mas isso talvez se deva à balda da senhora que a devia ter limpo e que aproveitou as minhas férias para não o fazer).
Cheguei cedo, enfiei-me no meu gabinete e ainda não vi nenhum dos meus colegas.
Daqui a pouco isto já não é nada. Habituo-me mais depressa ao trabalho do que às férias, e estas foram bem curtas, os derradeiros dias do ano.
A gente volta e, apesar de encontrar o agrafador e o furador mais ou menos no mesmo sítio, sabe que tem o país em reviravolta com uma Assembleia dissolvida, um primeiro-ministro em rota de demissão e um salão de baile que se ajeita para mais uma dança de cadeiras.
Just another monday.




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2004-12-06

Cemitério de afectos 

Este tema só despertou em mim por o ver abordado no Notícias Magazine, porque é mesmo de cemitério que se trata –e eu, mesmo os meus mortos reais, não os visito nessa sua derradeira morada-, ainda que seja um cemitério sem flores nem saudade.
Pela nossa vida vamos procurando e, pontualmente, encontrando aquelas pessoas que julgamos personificar o amor de que se precisa para se respirar fluentemente. Não direi os mais sortudos porque em boa verdade não acredito que o sejam, mas alguns de nós acertam à primeira, ou não se dão ao trabalho de procurar melhor, não sei bem. Outros de nós enganam-se sucessivas vezes.
Nesses enganos, em cada um desses enganos, há uma parte de nós que se entrega, que se molda, que recebe, que acredita, que quer, que aceita. A relação dura enquanto pode e após terminar, de mútuo acordo ou não, fecha-se a gaveta. Ou assim deveria ser. Esse amor, quando o foi verdadeiramente, não pode transformar-se em nada senão numa gaveta fechada. Assim como quando começámos por ser pobres, depois enriquecemos e voltámos a ser pobres. Já não conseguimos aceitar a pobreza como a aceitávamos antes de conhecer algo melhor. Com os amores é a mesma coisa. Não podemos voltar a ser amigos de quem, em determinado momento, foi mais do que isso.
Essas pessoas, a quem nos entregámos, que com amor recebemos, deixam de ter lugar na nossa vida. Não existe uma arrecadação onde, salutarmente, as possamos guardar.
Presume-se que, entre pessoas civilizadas, a relação de amizade se mantenha, até porque os amigos, os interesses, os hábitos continuam a ser os mesmos. Mas isso é, se não outra coisa mais inqualificável, um total desrespeito pelo amor que sentimos.
Nunca me pesou rasgar folhas da minha vida passada, rasgar fotografias e cartas, números de telefone e bilhetes de cinema gatafunhados. Até as memórias, que essas só existem enquanto as fizermos perdurar. É assim que temos espaço para recomeçar. É assim que faz sentido. É assim que pode ser.
Como podemos recomeçar o processo da entrega se parte de nós está ainda na memória dessa outra história? Como podemos ter a vida ordenada se abrimos uma gaveta sem termos fechado outra? Quem se entende em tamanho caos? Cada gaveta aberta tem um mundo lá dentro. Um mundo que não podemos renegar porque faz parte de quem somos. Mas quem somos hoje, ainda que resultante do que fomos ontem, não quem fomos ontem misturado com o que somos hoje.
Os afectos gerem-se com dificuldade, exigem alguma perícia mas, acima de tudo, exigem uma entrega total. Por isso não é na Terra do Nunca que devemos arrumar as chaves das gavetas que fechámos; é na Terra de Ninguém.




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2004-12-03

A queda  

Adeus, Governo mau! Venha outro... não melhor.
Infelizmente é assim. Saltitamos entre o PS e o PSD cujos líderes são sempre os mesmos narcisos. E antes falasse de flores.
Jorge Sampaio decidiu, o Santana ficou mal disposto, o Sócrates, sem nunca ter pedido a demissão do Governo, ganhou-o, assim se crê, de bandeja.
Nós continuamos assustados com as listas; as listas de espera na saúde, que não ficaram mais curtas, as do número de desempregados e de empresas que fecham, muitas sem se preocuparem em saldar as últimas contas com os trabalhadores, as nossas listas lá de casa de compras a fazer no supermercado, as da escola com material escolar para as crianças, já para não falar da lista de presentes de natal. Continuamos a ficar com as carteiras vazias antes do fim do mês enquanto assistimos à dança de cadeiras de quem nos quer (des)governar.
Santana Lopes, que ascendeu à cadeira de primeiro-ministro sem saber como, como na tal história da tartaruga no poste, deixa-a com um historial de péssimas medidas, desastrosas decisões, total desconhecimento de processos, gastas desculpas, nenhuma glória de ter mandado.
Dizemos-lhe adeus sem saudades e já temendo o senhor que se segue.
Para prenda de natal, está mal. Para nosso futuro é assustador. E, neste ponto do caminho, só dorme bem à noite quem anda cansado, muito cansado de se manter à tona de uma água sempre revolta e onde, a cada braçada, tem de se defender de mais um obstáculo.
Temo quando penso na minha filha a crescer para estes dias que só tendem a piorar.




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2004-12-01

Nocturno 

Sabe assim a descanso do guerreiro revestido de lugar comum, mas o prazer é sempre imenso.
Depois de mais um dia de trabalho, casa aceitavelmente limpa e arrumada, Cinderela e outras
histórias revividas com a princesa cá de casa, encostei-me, por fim, à janela, quase descansada, a fumar um cigarro, a beber vinho branco num copo de pé alto e vi a chuva. Os carros passam espaçadamente na avenida e a chuva bate no mármore da varanda, salpicando-me os pés. Gosto. E mereço. Ando cansada. Estou cansada há muito tempo. Alenta-me a esperança de um dia poder usufruir de mim e das pessoas que amo com toda a disponibilidade que merecem.
Agora entra o frio no quarto onde escrevo. E ouço a chuva e os carros. Passeio os olhos pelas paredes em volta e consolo-me com as fotografias nas paredes, com os livros, com os velhos discos de vinil. Ouço a minha filha voltar-se na cama e comovo-me. Vale-me ainda a facilidade com que me comovo, por contraponto à frieza dos dias e das pessoas que, como eu, os habitam.
Não somos felizes no mundo que criámos. Mas temos a felicidade possível e alimentamos o sonho de o sermos sempre um pouco mais. Sem resignações nem ilusões. Com escapes pontuais e realizações fugidias.
Não estou inquieta hoje. Apenas cansada. Tremendamente cansada.




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2004-11-29

Tendências 

Hoje um amigo disse-nos que, após algum tempo sem visitar o nosso blog, tirou alguns minutos do passado fim de semana (provavelmente por já não poder ver tanto Congresso na televisão –as nossas desculpas ao visado por tal dedinho político aqui espetado sem pedir licença, já perceberão porquê), decidiu actualizar a leitura do nosso modesto blog. Que é mesmo modesto, não tem pretensões a grandes análises ou a grandes tiradas literárias; serve para sacudirmos o pó de pneu que se nos vai acumulando no cérebro e isso já nos alivia.
Mas então o nosso amigo dizia-nos que saíu da leitura um pouco desiludido. Muita política, disse ele, e de esquerda.
Nós até sabemos que ele é assim para o alaranjado, mas estará o nosso blog a ficar vermelho, apesar do seu template em tons laranja? Fui analisar. Revi os posts do último mês. De cerca de trinta posts apenas encontrei quatro que poderiam ter melindrado a sua tendência social democrata. Os restantes são correr de tinta, excertos e até tretas.
Sabemos que tudo o que fazemos é política, mas nem vou seguir por aí. Aceitando que ele rotulou como políticos os posts com claras referências ao PCP, ao PSD ou ao Bush (ou será que também contou os do Arafat?), não chegam a meia dúzia. Entre trinta, estes tê-lo-ão incomodado assim tanto? Aparentemente, sim.
Os nossos posts são aquilo que somos, resumidamente. Aos poucos. O nosso modo de ver o mundo, nem sempre igual para as duas, é o que aqui se reflecte. A isso não podemos nem queremos fugir.
Então, mas se nós, tão timida e discretamente, assim incomodamos, somos levadas a concluír que quem fala e age com afinco, com determinação, com mais talento e sabedoria do que nós, meras operárias do cauchu, afinal vai agitando a malta. E como o que faz falta é agitar a malta...




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2004-11-27

O congresso do PCP 

Começou o congresso do PCP. Mesmo aqui à porta de casa. Passei por lá e vi a avenida embandeirada de vermelho, as pessoas com frio, cá fora, fumando um cigarro e conversando animadamente, pelo menos a julgar pelos movimentos de braços, pelos sorrisos de reencontro, pelas vozes que chegam aos nossos carros que passam ao lado, pela movimentação em geral.
À minha frente circulava um carro cujos condutor e ocupante abriram o vidro no frio do fim de tarde e de punho fechado e erguido gritaram palavras de solidariedade para quem está presente nos trabalhos. Sorri e pensei que, mais do que o natal, nas suas solidariedade e boa vontade pontuais, o ideal comunista aproxima as pessoas, e, instantaneamente, lembrei-me da Festa. É este o espírito. Ser-se comunista é um bonito modo de estar na vida.
Assim o congresso não nos desiluda e trace um caminho cauteloso, coerente e sim, renovador, dentro do ideal defendido por um partido com uma história pesadíssima.




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2004-11-25

Perdas de tempo 

Pois, é absurdo, eu sei. Mas aparentemente consegue escrever-se um livro de 233 páginas, enchendo-o de uma série de (pre)conceitos como os exemplificados (ainda por cima em português do Brasil; ainda por cima sexista; ainda por cima... absurdo):

Título do livro " PORQUE OS HOMENS FAZEM SEXO E AS MULHERES FAZEM AMOR? "

" As mulheres se admiram como um homem que estaciona o carro em uma vaga apertada só olhando pelo retrovisor não sabe onde fica o ponto G. "

" Se uma mulher está dirigindo e se perde, pára e pergunta. Para o homem, isso é sinal de fraqueza. Ele roda em círculos por horas, resmungando coisas como 'estamos chegando'."

" Minha mulher consegue enxergar um fio de cabelo louro no meu casaco a cinquenta metros de distância, mas sempre esbarra na porta da garagem quando guarda o carro".

" A mulher conhece as esperanças, os amigos, sonhos, romances e medos secretos de seus filhos. Sabe em que pensam, como se sentem e, geralmente, que travessura estão planejando. O homem mal percebe aquela gente miúda que mora na mesma casa que ele. "

" Os homens costumam escolher cartões com mensagens bem longas. Assim, sobra menos espaço para escreverem".

" Primeira regra para se comunicar com um homem: seja objectiva! Dê-lhe uma coisa de cada vez para pensar ".

" A mulher não tem senso de direcção, mas o homem nunca encontra as meias na gaveta".

" Se a mulher está infeliz no relacionamento, não consegue se concentrar no trabalho. Se o homem está infeliz no trabalho, não consegue se concentrar no relacionamento".

" Para fazer sexo, a mulher precisa de motivo. O homem precisa de lugar".

" A mulher quer muito sexo com o homem que ama. O homem quer muito sexo."

" O que os homens procuram : personalidade, boa aparência, inteligência, humor, corpo bonito. O que as mulheres pensam que eles procuram: boa aparência, corpo bonito, peito, bunda, personalidade "

" Todo homem tem a fantasia de fazer sexo com duas mulheres ao mesmo tempo. As mulheres gostam da ideia. Pelo menos, teriam com quem conversar depois que ele pegasse no sono ".

" O homem prefere esperar pela mulher ideal, mas, com o passar do tempo, só o que consegue é ficar mais velho ".

" Depois de casado, o homem sabe tudo sobre sua mulher. Então, para quê conversar?"

E este livro tem 233 páginas.




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2004-11-24

É pró menino e prá menina 

Praticamente em primeira mão, e porque sei que ninguém vai contar à minha filha, aqui anuncio que comprei para lhe oferecer no natal um homem aranha. É claro que não será este o seu presente, o grandalhão, digamos, e é claro que eu não gosto especialmente do homem aranha. Também não é para eu brincar, é facto.
A questão é que depositei nas traquinas mãos da minha filha um desses catálogos de supermercado para que escolhesse o que mais gostava de receber pelo natal. Depois de pouca (pouquíssima!!) parcimónia na escolha disse-me que gostava que um dos seus primos recebesse um homem aranha já que o homem aranha é brinquedo de menino.
Ora eu que aplico muita da minha energia a tentar que cresça sem preconceitos, não podia deixar passar em branco esta falha. Então há certos brinquedos que só podem ser para menino ou para menina? Não pode ser. Então hoje, por brincadeira (e por um certo princípio), lá lhe comprei um. A rapariga dos embrulhos estranhou o laço cor-de-rosa, mas os adultos também podem ser (re)educados.
Acredito que o somatório destas pequenas coisas ajudam na formação dos adultos que serão estas crianças. Se crescerem a pensar que há brinquedos próprios para cada sexo, far-lhes-á sentido que haja tarefas, trabalhos, atitudes e modos de estar próprios para cada sexo. E as mulheres continuarão a ter de provar muitas mais qualidades para ocuparem os mesmos cargos que os homens; eles continuarão a ajudar nas tarefas domésticas em vez de as partilharem; elas continuarão a ser uma espécie de prolongamento das mães deles; eles continuarão a acreditar que o choro é coisa de mulheres; e por aí fora.
Parece exagero, mas reparem que são estes pequenos conceitos que abrem espaço a outros maiores e proporcionalmente mais graves.
Então a Carolina terá o seu homem aranha ainda que alguém tenha a triste ideia de lhe oferecer mais uma barbie (para mais tarde lhe dar cabo da cabeça pensando que tem de ser ultra magra para poder ser gira) para fazer companhia ao super-herói. E se me pedir um carrinho ou um camião também lho dou, assim o orçamento o permita.
Ela até sabe que o pai natal apenas faz o transporte e distribuição das prendas, que são a família e os amigos quem conta os euros para poder comprar as prendas aos meninos, aqueles que as podem receber (o resto da verdade virá a seu tempo, que ainda tem espaço para acreditar em fadas).
E com tudo isto, começou a loucura do natal.




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2004-11-23

Do hino do PSD 

O PSD, numa tentativa(?) de renovar a sua imagem perante os seus militantes e perante nós, que assistimos incrédulos ao seu desempenho enquanto Governo, criou e adoptou um novo hino para si. Nele salientam-se as incongruências, a falta de estética, a falta de qualidade literária em geral, a referência ao presidente do partido obrigando os seus militantes a idolatrarem Santana Lopes sempre que lhes seja pedido que o cantem, entre outras coisas de que, certamente, me lembrarão.
Mas faz-nos também pensar que, na medida em que um hino pretende prestar homenagem ao seu objecto e, de algum modo, retratá-lo, este partido, mais importante, este partido agora governante, perdeu toda a sua lucidez.
Ora leiam e depois desmintam-me, se fôr possível:

Somos actores da história
de coragem e de glórias
pátrio orgulho do passado
abraçado pelo mar.

Para vencer os desafios
desse povo soberano
abre a porta ao destino
que o futuro quer entrar.

Queremos mais Portugal
grande luso pequenino
nova força para o mundo
geração Portugal.

Grita Viva Portugal
pede a alma, bate o peito
nova força para o mundo
meu orgulho Portugal.

Tempo novo de acreditar
de ser mais feliz
de ser PSD
sempre mais e melhor.

Santana Lopes é a voz
na vanguarda do futuro
de norte a sul
de todos nós.

Grita Viva Portugal
meu orgulho, meu país
nova força para o mundo
Grita Portugal!





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2004-11-22

Excertos dispersos (1) 

"Deixei de chorar há muito tempo, quando as dores no corpo me começaram a doer mais do que as outras. É que, sabes?, chorar faz doer o corpo. A dor começa, aguda, nas mãos, na base do polegar. Depois sobe pelos braços, enrola-se na garganta e começam as convulsões. Então choramos, ou melhor, vertemos lágrimas, que todo este processo é já o pranto, em si mesmo.
Depois das lágrimas chega a dor generalizada. Todo o corpo te dói, como se estivesses a ressacar. Só em alguns momentos perdura o efeito do pós-orgasmo, mas são tão raros que não valem o risco.
(...)
Acima de tudo, dói-te. E ficas cansada. E envergonhada. E sentes-te patética, quer tenhas chorado sozinha ou o tenhas feito na presença de alguém.
Chorar é sempre embaraçoso. Como embebedar-nos. Sabes que fizeste figuras tristes, que te descontrolaste, mas não sabes muito bem como o fizeste.Como numa ressaca, o pior é sair desse estado, sair de novo para o sol.
Por isso deixei de chorar há muito tempo. Agora apenas encolho os ombros. Não me envergonho nem incomodo ninguém.
Além disso, chorar não é tão libertador como dizem. Deixa-te os olhos fundos, a boca descaída, as mãos frias.
Por isso encolho os ombros. Não te parece melhor? Bebes mais um copo, fumas mais um cigarro e, de óculos escuros, olhas o sol de frente e mostras-lhe o teu dedinho do meio."




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2004-11-19

Bandeira rubra 

"Bandeira Rubra" é o título de uma canção muito ouvida após o 25 de Abril. Guardei-a na memória, como muitas pessoas, imagino, mas apenas o refrão. Esqueci a letra, entretanto. Tenho-a procurado na internet, entro em todos os fóruns a pedir a letra mas, curiosamente, não tenho encontrado quem a saiba na íntegra. Até hoje.
Agora, para que fique disponível a quem a procure ou a queira conhecer, aqui a transcrevo.

Avante povo
Com sangue novo
Bandeira rubra
Rubra bandeira
Avante povo
Com sangue novo
Bandeira rubra
Triunfará
BANDEIRA RUBRA DEVE TRIUNFAR
E VIVA O COMUNISMO P'RA NOS LIBERTAR

Nas oficinas
Dentro das minas
Estão os que esperam
E desesperam
Vamos agora
Está na hora
Bandeira rubra
Triunfará
BANDEIRA RUBRA DEVE TRIUNFAR
E VIVA O COMUNISMO P'RA NOS LIBERTAR

Sem inimigos
E sem fronteiras
Estamos unidos
Rubra bandeira
Ó Proletários
Daí a resposta
Bandeira rubra
Triunfará
BANDEIRA RUBRA DEVE TRIUNFAR
E VIVA O COMUNISMO P'RA NOS LIBERTAR


(Gravação disponível em EP editado pela Metro-Som, da Moviplay)





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2004-11-18

Abóbora cristalizada 

Há gostos para tudo, dizem-me. Mas não me importo. Quero lá saber do que dizem enquanto no aconchego de minha casa ou no desassossego do escritório vou trincando avidamente, como quem come pão com manteiga ao lanche, as minhas barrinhas de abóbora cristalizada.
Há lá prazer gustativo maior! Há lá chocolate que a substitua! O açúcar estaladiço por fora, a frescura e macieza por dentro, a cor de topázio, tudo se alia para um prazer sublime, superlativo, inigualável.
Resisto com dificuldade sempre que vejo estas simples embalagens nas prateleiras dos supermercados. Mas resisto. O pior é quando passo por essas lojas que vendem café, bombons, marmelada, doce de gila ou avelãs, avulso. É que na montra nada mais chama a minha atenção de modo tão desastroso como a abóbora empilhada que adivinho a engrossar-me a saliva, a derreter-se nos meus dentes, a colar-me os dedos. Escolho as barras, as mais finas, em forma de paralelepípedo, as mais claras.
Causa celulite, adverte a minha cara-metade, receando ficar com uma mulher disforme em casa. Mas eu equilibro isto com a dose de ruindade que me é imputada e que, dizem, não deixa engordar.
Comer abóbora cristalizada não tem as características de um vício em que, mais do que o prazer puro daquilo que se faz, se depende de qualquer coisa sem já a usufruir, por isso é tão reconciliador.
Sabe melhor no inverno, sem chuva. Assim nos dias como o de hoje. A acompanhar um livro ou um filme.
Vou comer a última de hoje.




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2004-11-17

Lisnave 

Não sei se é o cheiro dos velhos estaleiros. Não sei se é o rio, ali mesmo à espreita. Não sei se é a imponência da grua. Não sei se é a recordação dos operários saindo aos magotes, calças de ganga, vozes altas, rostos cansados. Não sei se é a imagem dos panos pregados à vedação, exigindo direitos e salário. Ou se é a memória das lutas aí travadas, as concentrações, as chaimites, os sindicatos, as cargas da polícia, os homens e mulheres que daí partiram para a ponte 25 de Abril e outra vez a carga da polícia. Não sei se foram os anos em que os meus pais não traziam dinheiro para casa e o meu pai ia para o trabalho de bicicleta para eu ir de autocarro para a escola. Não sei se foram as noites que passei sem ver a minha mãe porque dobrava os turnos. Não sei se são as amizades que ali nasceram. Ou se eram os barcos. Não sei se eram as festas de natal onde cantávamos que natal “é o fruto que há no ventre da mulher”. Não sei se era o cheiro a tinta ou a cor dos fatos-macaco. Não sei se eram os papões-família-Mello. Não sei se eram as excursões para entregar pelo país os brinquedos para parques infantis que os operários faziam quando a administração recusava trabalho. Ou se era o casaco amarelo que abrigava a minha mãe nas manhãs agrestes de inverno. Não sei se é passar agora pela avenida e ver os autocarros passarem sem parar pelo que parece ser uma cidade fantasma. Não sei se era uma sensação de segurança violenta e inesperadamente abalada. Não sei se é a juventude perdida dos meus pais. Ou a promessa de um sonho que afinal não o foi. Não sei se são os homens tristes. Ou as mulheres envelhecidas. Não sei se é a injustiça. Não sei se é o espectro do capitalismo. Não sei se é a história dos operários que aí morreram em acidentes de trabalho. Não sei se foi a preocupação de ouvir boas notícias do meu pai quando se sabia de mais um acidente. Não sei se são as histórias de amor e infidelidade. Não sei se é porque a comissão de trabalhadores dava aos filhos dos funcionários as prendas de natal que a administração não dava. Não sei se eram os óculos do meu pai sempre picados por soldadura. Ou as pernas da minha mãe queimadas pela água a ferver.
Não sei o que é. Mas sei que me ofenderá ver ali nascer um qualquer empreendimento para que morram os homens e mulheres que ali começaram por ser jovens.




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2004-11-16

Carta aberta ao menino jesus 

Há quem, por altura do natal, entristeça, entre em depressão, se entregue à nostalgia, eu sei lá.
Por mim, não tenho essa hipótese, ainda que a época significasse, para mim, mais do que uma entrega desenfreada ao consumo. Parece assim quase cinismo, não é? Mas com o passar do tempo o natal deixou de ter magia. Cresci, é o que é. Entre outras coisas. A minha pequena filha “obriga-me” a celebrar o natal, claro. Mas o apelo sentimental da época, perdi-o.
Ainda por cima, nesta altura, tendo a ter certos azares. Não sou supersticiosa, mas lá que os percalços escolhem esta época para me importunar, disso não haja dúvida.
Este ano é o gás. E uma misteriosa infiltração numa parede. Obrigada a todos os que tornaram possível o subsídio de natal porque assim já tenho onde recorrer para fazer face às tuas partidas, ó menino jesus tão galhofeiro.
Ou então, não é de azares que falo mas de... corrupção. Eu explico. Antes ainda de expirar o seguro de construção da minha casa (cinco anos), já me lanço para o terceiro esquentador. E não, não se trata de defeito de fabrico dos aparelhos nem de capricho meu em fazer compras. O que se passa é que foi emitida uma licença de habitação sem que estivessem reunidas todas as condições para que tal acontecesse. Ou seja, a extracção de monóxido de carbono não acontece porque alguém facilitou onde nunca poderia ter facilitado. Então, para libertar os 175 ppm provenientes do esquentador cá de casa, em vez dos 49 aceites como seguros, resta-me a janela que devo manter de par em par nestas noites tão amenas (!!). Eu sei que o advogado do construtor é casado com a advogada da Câmara e que isso invalida, à partida, qualquer processo judicial, mas é legítimo que isso nos coloque em perigo, cá por casa? Ou que tenha de esperar que a minha filha saia da cozinha para poder abrir a água quente?
A infiltração poderia ser só um azar, também. Mas não é. Resulta do refluxo provocado pela acumulação de monóxido de carbono não extraído pelo esquentador.
E pronto, começo a habituar-me a direccionar o meu subsídio de natal para a compra de esquentadores, que sempre são mais úteis do que castelos ou Fadas Sininho, mas que não fazem a minha filha sorrir tanto e deveriam durar uns anitos mais. E afinal, vou carregar o empréstimo para a casa durante uns bons anos, e não é assim tão pouco.
É isto o que temos, mas não é isto que merecemos nem sequer o que queremos, ó menino jesus adormecido.




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2004-11-15

Fungagá da bicharada 

Lembram-se do Fungagá? (Não, não estou a falar dos tempos que correm...) O velho disco do José Barata Moura (sim, tenho-o autografado!!), com canções infantis, daquelas tão bem feitas que à medida que crescemos e o continuamos a ouvir, conseguimos ir descobrindo as mensagens "subliminares" que as líricas contêm.
"O Manel tinha uma bola" e "Era uma vez um rei" não fazem parte do disco, mas fizeram parte dos primeiros dias de vida da minha filha, por terem feito parte da minha. Depois conheceu as outras e aprendeu-as. Enquanto eu as revivia.
Agora foi o momento de as (re)visitar(mos). No fim de semana lá rumámos nós em direcção ao Teatro da Trindade, de mochila abastecida, mãos frias e brilho nos olhos. Depois de se sentar ao lado do homem de lata (tenham paciência, mas no seu imaginário cabe o Feiticeiro de Oz, não o Fernando Pessoa), os sentidos estavam despertos para o teatro.
À Cidade do Penteado (lembram-se desta?) chega uma família de artistas numa roulotte transformável em palco, pronta a apresentar-nos as suas filhas Joanas, o seu filho Manel, a avó Insulina e o barrigudo rei que aí reinava. Pelo meio as palmas, o espanto, o sorriso, as cantorias das crianças, o ar ameninado dos adultos, saudosos, enquanto as sempre boas letras do Barata Moura, as antigas e as novas, vão desfilando por entre ritmo, cores, gargalhadas, alegria e até mesmo alguma empatia.
E valeu. O espectáculo está cativante, bem montado, entregue, profissional. Gostei. E presumo que a minha filha também, a julgar pelo pedido de que voltemos para o rever.




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2004-11-12

Morreu Yasser Arafat 

Já tinha escrito sobre Arafat. Poucas palavras, que mais não eram necessárias. Continuam a não ser, mas insiste esta minha vontade.
Morreu um homem. Mas com esse homem morreu o símbolo da luta por valores defendidos de forma coerente. Morreu o Presidente do Estado da Palestina, título que soube merecer na sua condição de homem imperfeito.
Com a morte deste homem, anunciada antes de o ser, reacende-se a dúvida, o medo, a confusão. Adivinha-se o descalabro, a nova luta por uma liderança que ele conquistou com pulso firme.
Enquanto, ansiosos, esperamos estar enganados em relação à cor do futuro que nos aguarda, aqui deixo um soneto do Ary, com que tomo a liberdade de me despedir de Yasser Arafat:

Meu irmão que morreste não foi hoje
que amanheceu a nossa madrugada
tu tens o que viveste mas quem foge
continua sem corpo e sem morada

De todas as palavras que me deste
Apenas uma fica murmurada:
Onde estás liberdade que perdeste
Quando a libertação foi decretada?

Talvez naquele gesto tão distante
Em que arriscaste tudo na partida
Meu irmão camarada suicida

Aqui neste lugar e neste instante
Nenhuma voz nos deve ser bastante
Não vale a morte quanto pode a vida.




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2004-11-11

República do Gerúndio 

Cirandando pela blogosfera nesta noite de insónia, e dedicando-a especialmente às terras além do Tejo, encontrei um Alentejo vivíssimo e pululante, quase como no tempo da Reforma Agrária, com a diferença de que agora a reforma é outra.
Entre muita coisa interessante –textos, fotografias, expressões desenterradas lá do canto da cavalariça mais escura- encontrei aquilo que me fez sorrir e serenar: o Alentejo descrito como a República do Gerúndio.
É que é apanágio desta província falar assim ao mesmo tempo que se “cantam” as palavras. “Estou conversando” transmite muito mais calma e continuidade do que “Estou a conversar”; ninguém contesta, pois não?
Nesta “República do Gerúndio” a vida parece arrastar-se ao ritmo a que se conjugam os verbos, sob o famoso sol escaldante, na mais do que conhecida planície. Mas isso era dantes. Estes blogs que, para mim, são, neste momento, o retrato mais fiel a que tenho acesso, já que o “meu” Alentejo continua a ser o da calmaria, o da casa dos avós, o do lume aceso, o da linguiça a pingar no pão, vieram mostrar-me que o Alentejo é muito mais do que isso, pulsa mais do que nos apercebemos. E ainda bem.
Para nós, aqui no bulício da cidade grande, parece que tudo o resto é pequeno e atrasado. Como somos nós próprios atrasados. Ou eu, obviamente.
O Alentejo cresce, aparece. Chega de o considerar província, no seu sentido quase pejorativo.
Tem avondo!




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2004-11-10

Arafat 

As notícias sucedem-se, contraditórias, mas o desfecho é certo: a morte de Arafat.
Com a sua morte o processo de paz no Médio Oriente vê-se comprometido, já o sabemos.
Se não está morto ainda, nada indica que poderá sobreviver ao coma; se já morreu, adia-se a notícia para segurar, na medida do possível, o adivinhado descalabro, por mais consensual (se possível) que seja a escolha de um novo líder.
Ainda que surjam agora os inevitáveis rumores sobre contas bancárias e relacionamentos pessoais, que em nada alterarão os 36 anos que Arafat dedicou a esta justa causa, para a nossa memória fica a imagem de um homem que fez da sua vida a luta pelos direitos do seu povo, do seu país, que é de um país que se fala.
Para a minha memória fica o kuffieh usado como símbolo da libertação de todos os povos.
Mas este texto não é uma homenagem. Nem uma despedida ainda. É apenas a vontade de marcar os dias da sua morte lembrando que, não havendo homens perfeitos, nos fazem falta mais alguns que acreditem e defendam ideais de justiça social.




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2004-11-09

A mala de Sport Billy 

É voz corrente que as malas das mulheres são um mundo. Toda a gente diz que não se encontra nada lá dentro. Mas não é bem assim. Encontra-se tudo, depois de algum esforço.
Para encontrar uma moeda perdida na sua mala, a minha parceira de blog viu-se obrigada a despejar o seu conteúdo e eis o que encontrou:
1 relógio de pulso
1 alça branca de soutien
1 alça preta de soutien
1 tamagotchi
1 mola de roupa
3 tangerinas
1 corta-unhas
1 caixa de pastilhas
2 telemóveis
2 maços de tabaco
literatura inclusa de um medicamento
1 esferográfica
1 frasco de acetona
1 bâton para o cieiro
1 mola de cabelo
1 eyeliner
1 tampão
1 molho de chaves
2 ganchos para o cabelo
1 par de brincos
No final, a desejada moeda para pagar o café.




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2004-11-08

Monday, monday 

As segundas feiras têm o seu quê de complicado, como toda a gente sabe. Por isso as nossas defesas têm se ser ainda mais funcionais do que em dias normais.
Mas hoje, para mal dos pecados que não cometo por não lhes conhecer o conceito, esqueci-me do walkman.
Ter de fazer mais de uma hora de trajecto com um livro colado aos olhos, mas sem me poder alhear das conversas alheias, é duro, muito duro.
Ainda por cima os fins de semana parecem férteis em fúteis assuntos televisivos. Ainda por cima os meus desconhecidos companheiros de viagem falam fervorosamente de assuntos que não consigo contextualizar mas que me distraem da leitura, por falarem mesmo aos meus ouvidos.
Eu até já estou habituada a que se dirijam a mim, mesmo que eu seja a única nas redondezas com os phones enfiados nos ouvidos, para me pedirem uma qualquer informação, pedido que os obrigo a repetir depois de puxar pelo fiozinho e de lhes mostrar claramente que me incomodaram. Mas logo a seguir volto à música e esqueço a interrupção.
Assim, sem walkman, sou mesmo obrigada a ouvir tudo, mas tudo o que não me interessa.
À segunda feira somos tão pouco generosos.




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2004-11-05

Manhã clara 

E este alinhamento? Faz ou não faz valer a manhã? A sexta-feira? A vontade de reacordar a liberdade?

1. Amañece libertad
2. Tejo que levas as águas
3. Papá cuenta-me outra vez
4. Cantiga d'um marginal do séc. XIX
5. Flagelados do vento leste
6. Monangabé
7. Poema de bancada
8. Os meninos de Huambo
9. Moda da charrua
10. Hasta siempre
11. Cantata da paz
12. A galopar
13. Au Chilli comme a Prague
14. Todo cambia

1. E um dia fez-se Abril
2. Portugal resiste
3. El maestro
4. O homem dos sete instrumentos
5. No nos moveran
6. Canta amigo canta
7. Les anarchistes
8. Retalhos
9. Segunda canção com lágrimas
10. Cancion
11. San Francisco
12. Entre Sodoma e Gomorra
13. Pedra filosofal

Toma!!




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2004-11-04

A bagagem das viajantes 

Porque nem só de vitórias que são derrotas se fazem os dias, e porque um blog é a nossa casa, o espaço onde escrevemos o que nos apetece, muitas vezes sem o devido respeito por quem eventualmente nos lê e possa, assim, ficar a leste, que na casa da empatia não entram todos, apetece-me falar de música, da nossa, "orgulhosas autoras deste blog", da que nos acompanhou o crescimento, da que nos formou, da que arrumámos na prateleira de não-tornar-a-ouvir-ou-cantar-nem-que-chovam-canivetes, de toda, da que nos surgiu enquanto tomávamos, descansadamente, o nosso café, da que cantámos, primeiro em surdina, para não nos ouvirem lá no bar, depois mais alto, que o entusiasmo às vezes faz das suas.
Entre muito lixo, lá surgiram, de nariz levantado, em tom de desafio, as canções políticas, ou antes, as canções interpretadas num tempo de consciência política desperta.
Do nada, como tantas vezes acontece a quem nasceu em ambientes similares e cresceu num mesmo tempo, surgiu o fantástico poema do Ary:

"Tuas palavras
ora de mel, ora de fel
sabem a vida
entram na pele
doem na pele
Tuas palavras
são ternura, amor e morte
são as palavras de um forte
chamado Brel."

Esta canção, cantada já a plenos pulmões enquanto atravessávamos a rua, de braços estendidos para o infinito, numa interpretação exageradamente dramatizada, surpreendeu-nos por julgarmos que apenas cada uma de nós se lembrava dela.
Ainda bem que não é assim, ainda bem que esta, como alguns magníficos poemas do Joaquim Pessoa interpretados por Carlos Mendes, ainda nos ecoam na memória, ainda bem que, ainda que a ferros, conseguimos arrancar da memória melodias que não chegam tão claras assim, entre vozes vacilantes de quem tenta lembrar-se da lírica e uma afinação que fica a dever qualquer coisinha à perfeição.
Ainda bem que nem tudo esquece, que nem tudo se perde, que nem tudo morre.
Ainda bem que há dias assim.




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Citando a Visão, artigo de Miguel Carvalho 

Há poemas que falam por nós e pelos momentos que vivemos. Alexandre O´Neil escreveu «O Poema pouco original do medo» e não estava a pensar no que os EUA nos reservam para os próximos quatro anos. Mas podia tê-lo feito. O medo, afinal, venceu. Teve tudo, vai ter tudo.

«O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos»




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2004-11-03

Absolvição 

Mas a mudança faz-se devagar, dia após dia, na vida e na consciência de cada um de nós.
"Aos 17 anos é-se uma menina", lembrou a juíza que absolveu a jovem que confessou ter feito um aborto, como tantas outras sozinha e em condições que, só por si, a marcarão para sempre.
Esta absolvição é um sinal positivo de mudança. Mas não resolve nada, por si só. O julgamento destes casos é um absurdo e esta absolvição não nos pode fazer descansar.
Mais uma vez escrevemos aqui sobre o aborto. Porque mais uma vez uma mulher foi julgada em tribunal por o ter feito. Porque todos os dias há mulheres que são forçadas, por algum motivo, a fazê-los.
Desta vez, correu bem, judicialmente falando. Mas correr bem, em verdade absoluta, seria este não ser um assunto.
Com Bush como polícia do mundo, outra vez, os seus pequenos servidores continuarão a sentir as costas quentes para poderem continuar de olhos voltados noutra direcção, que não a do sofrimento alheio e individual, agarrados aos seus preconceitos bacocos, ao seu egoísmo, aos seus sofás confortáveis, aos seus princípios gordurosos.
Aos 17 anos é-se uma menina. Em qualquer outra idade é-se uma menina, uma mulher, um homem, e esta decisão nunca é fácil, a sua concretização menos ainda.
Que isto valha alguma coisa.




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Continuando a perder 

Eu queria que o meu post de hoje fosse, de alguma forma, uma manifestação de esperança. De comemorar o mal menor. De dizer adeus a Bush. De acreditar que o mundo vira, ainda que lentamente, no sentido da reconciliação consigo mesmo.
As notícias que nos chegam do lado de lá do oceano não auguram nada disso. A única super-potência do nosso planeta prepara-se para continuar a sua política belicista e prepotente.
Paz às nossas almas.




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2004-11-02

Mudança de hora 

A hora mudou e isso já não é novo. (Re)Habituamo-nos a sair do escritório sem sol, a tentar fazer compreender aos pequenos porque os vamos buscar à escola já de noite, porque já não podemos fazer uma passagem fugaz pelo parque infantil. Damo-nos conta do inverno que se assume como dono e senhor dos nossos dias, mas tudo isto faz parte de um ciclo onde rodopiamos desde que nascemos.
Mas, e se em vez de acertarmos o relógio com uma hora de diferença, o fizéssemos com um ano? Com uma década? Poderíamos nós atrasá-lo para corrigir erros passados, sem cair na tentação de cometer outros? Ou isso é humanamente impossível?
E resultaria adiantá-lo para daqui a um ano, ou dez?
Por mim, sabendo que nada disso resultaria efectivamente, em termos práticos, preferia poder pará-lo em momentos à minha escolha. Pará-lo no riso limpo, puro e voluntarioso da minha filha. Pará-lo no tempo de uma canção, detrás de uma vidraça enquanto chove. Pará-lo enquanto leio palavras bonitas e um chocolate se derrete na minha boca. Pará-lo enquanto faço amor nos lençóis lavados da minha cama e me esqueço do frio. Pará-lo enquanto fumo um cigarro, sem pressa nem vício, apenas pelo prazer e porque tenho tempo para o fazer. Pará-lo numa risada, daquelas que não controlamos, que não conseguimos (nem queremos) parar. Pará-lo em todos e em cada momento de felicidade.
Posso?




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2004-10-29

Ser alentejano é um estado de alma 

Não é de estranhar o tema. Além de ser recorrente em mim, não necessariamente neste blog, acresce que estou de viagem para o Alentejo.
Quando eu era pequena, a véspera da viagem levava para esse interior o sono. A ansiedade apoderava-se de mim, os preparativos ultimavam-se com imensa antecedência, o assunto dominava o meu pensamento.
Agora já não é bem assim, há tantas coisas em que pensar. Mas a alegria é a mesma.
No Inverno, sei que me espera em casa dos meus avós o lume aceso na grande cozinha. Sei que o cheiro da terra molhada, a balbúrdia da família que não cessa de crescer, a terra que vai aplanando à medida que vencemos os quilómetros, o cheiro das ruas, o barro vermelho, me esperam com a mesma ansiedade com que a eles me entrego.
Não nasci no Alentejo, ao contrário do que diz a moda que, de vez em quando canto pela casa, ao contrário do que pensam muitos dos que me conhecem. Nasci além do Tejo, isso sim. Mas o sangue que me corre nas veias, como tantas vezes tenho repetido ao longo da minha vida, é puramente alentejano. Sou um puro-sangue, digam o que disserem.
Ser alentejano é um estado de alma. Faz-se da intensidade com que sentimos, com que rimos, com que amamos, com que nos entregamos. Faz-se da generosidade e do sentido de sacrifício; de boletas e de linguiça; de cadeiras de verga e de chocalhos; de queijo fresco e de camas de ferro pintadas de branco; de trigo e de modas cantadas por homens de braço dado; da cal e de barras azuis; de água fresca e de girassóis; de fatalismo e de esperança; de luta e de sofrimento; de coragem e de sentido de humor; de cães deitados nas ruas e de galeras carregadas de grão; de mãos grandes e fortes; de pele tisnada pelo sol; de mulheres de fartos bigodes que nos dão beijos molhados e que são ainda nossas primas; de recato; de coração.
Sou alentejana, para o que der e vier. Já não lamento não ter nascido no Alentejo, isso em nada mudaria aquilo que sinto, aquilo que sou.
Sou alentejana e volto hoje às minhas raízes.
“Meu coração, alentejo de orvalho.”




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2004-10-28

Rocco Buttiglione 

Ele diz que a homossexualidade é uma doença. Que as mulheres existem para estar em casa a tratar dos filhos. Que as mães solteiras não são boas mães. É de direita. É amigo do Papa menos humano dos últimos tempos. E o nosso ex-primeiro ministro quer tê-lo na sua equipa de trabalho.
O Parlamento Europeu, que algumas vezes nos dá mostras de alguma lucidez, não quer ouvir falar disso.
Eu acho que tudo isto é uma anedota, uma manobra para nos distrair das pressões políticas exercidas sobre Marcelo Rebelo de Sousa que, oportunamente, se faz de vítima do sistema, falando em prestações, controlando o suspense, como se de um realizador de thrillers se tratasse. Eu acho que, por mais que Durão Barroso se posicione à direita, não escolheria um Le Pen seminarista para seu companheiro de trabalhos. E daí, talvez me engane. Talvez tudo isto seja verdade e precisemos mesmo de acordar e reagir, em vez de respondermos às imposições injustas e ultrajantes que “já estamos habituados”.
Durão Barroso é o homem que nos deixou entregues ao (des)governo incompetente e indeciso de Santana Lopes. Mudaram só as moscas, é certo. Mas o seu patriotismo, esse que se espera de quem é chefe do governo de um país, mostrou-se assente em pés de barro. Ou em pés de sede de poder e de protagonismo.
Este Sr. Rocco é hediondo. Homem a abater, politicamente falando. E nós que temos o representante máximo da Igreja e o próximo presidente da Comissão Europeia lendo pela mesma cartilha, continuamos a perder tempo com celebridades que não o são nem serão nunca, com lotarias milionárias, com livros da Margarida Rebelo Pinto e do Nicholas Sparks, enquanto nos cozinham o futuro em lume brando.
Eu cá voto é nesse grupo que anda por aí a querer acusar o Papa de atentado à saúde pública por continuar a desencorajar o uso do preservativo.




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2004-10-26

Vamos brincar à caridadezinha 

Então não é que vivemos mesmo uma revolução?!
A julgar pelos acontecimentos mais recentes, isto fazendo por esquecer outros não tão passados como gostaríamos, poderíamos acreditar que vivíamos ainda no tempo da outra senhora. Mas não. A revolução fez trinta anos.
Mas a que propósito vem esta chata agora aborrecer-nos outra vez com a conversa da revolução?, perguntam os mais distraídos. Pois bem, para além de ser de extrema importância relembrar aquilo que não queremos que se esqueça, tenho finalmente nas minhas mãos o “Vamos brincar à caridadezinha”. E mais outras quarenta fantásticas canções. Tudo acordado sem esforço na memória de quem cresceu neste ambiente da revolução feita festa.
O CD é duplo. A escolha foi decidida apenas por esta faixa, que muitas outras colectâneas me piscavam o olho rebelde.
Esta, actualíssima, do José Barata Moura, conta assim, resumidamente:

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

A senhora de não sei quem
Que é de todos e de mais alguém
Passa a tarde descansada
Mastigando a torrada
Com muita pena do pobre,
Coitada

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

Neste mundo de instituição
Cataloga-se até o coração
Paga botas e merenda
Rouba muito mas dá prenda
E ao peito terá
Uma comenda

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

O pobre no seu penar
Habitua-se a rastejar
E no campo ou na cidade
Faz da sua infelicidade
Algo para os desportistas
Da caridade

Não vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e a falsa intençãozinha
Não vamos brincar à caridadezinha




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2004-10-20

Dias felizes 

Não há como as semanas curtas, com dias de férias pelo meio, para os dias parecerem intermináveis. Os planos para o fim de semana prolongado bailaricam sobre o trabalho, as conversas de circunstância, os atropelos do trânsito e do clima, e a única coisa verdadeiramente insuportável é o tempo que não passa.
Não são todos assim. Provavelmente os mais ansiosos são aqueles em que os planos vão além do sofá, por muito boa companhia que se tenha, ou dos limites do concelho em que nos movemos. É o caso, pois claro.
As férias são sempre bem vindas e, se há momentos em que precisamos absolutamente de nos afastar de tudo o que nos cheire a trabalho, outros há em que, mais do que desse afastamento, precisamos de nos (re)aproximar do amor e da serenidade. Dos sorrisos límpidos dos que nos amam. Do prazer de andar de carro procurando o arco-íris. De molhar os pés na gelada água do mar. De ter o vento a despentear-nos o cabelo. Da liberdade, ainda que relativa.
Ai, que já não sei o que digo. Sei apenas que, por uns dias, poucos, muito poucos, vou ter sol no olhar e água fresca nas mãos. E enquanto isso me mantiver acima da vacuidade e do cinzentismo do quotidiano, sou uma pessoa feliz.




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2004-10-19

Relicário 

Entre todas as coisas que tenho guardado ao longo da vida, as que sobreviveram às pontuais fúrias de limpeza e organização, tenho um modesto dossier que personalizei há tanto tempo que nem quero lembrar quando foi, onde guardo pedaços, palavras, frases, poemas, fotografias, recortes, canções, bilhetes de concertos, cartazes, tudo e nada.
As noites frias, intimistas por excelência, levam-me de vez em quando à estante onde o guardo. Mais do que retirá-lo do seu lugar, cuidadosamente, quase religiosamente, o processo é uma espécie de descanso da guerreira. É um regresso a mim mesma, umas tréguas com a vida quotidiana e impessoal que, de alguma forma, somos forçados a viver.
Sou talvez um pouco saudosista e dá-me prazer este ritual. Há dias, para procurar os textos da Maria Rosa Colaço e do António Ramos Rosa que aqui transcrevi, o dossier saltou uma vez mais para as minhas mãos. Ainda não voltou à estante. Está aqui à minha frente, ao lado do monitor, enchendo-me os olhos com o seu azul forte onde bruscamente surge uma pomba branca, herança de adolescência iconográfica e idealista, com o único grafismo de que sou capaz, que as minhas mãos não se talharam para o desenho.
Este dossier, muito mais pobre do que mereceria, transporta-me a tempos de preocupações menos pragmáticas do que as contas para pagar. Relembra-me o sonho, por si só. Acorda a vontade de criar. E dá-me uma quase furiosa vontade de aqui deixar tantas e tantas palavras de outros, mais do que as minhas, para que o sonho e a poesia vivam nestas noites frias, chuvosas, quase violentas.
Escolher um não é tarefa fácil. Entre a procura constato que, sobre todos os outros, prevalece Eugénio de Andrade. Em pequenos versos, mais do que textos completos. E penso que há tanto tempo não me esqueço de tudo o resto para reler este poeta que tanto me acompanhou. E penso que, uma vez que hoje o sono me está a dar tréguas, poderia sentar-me no chão, de pernas à chinês, como diz a minha filha, e reler a sua tradução das cartas da Mariana Alcoforado, a sua poesia, redescobrir notas à margem e sublinhados, papelinhos soltos deixados entre as páginas, pistas para confrontar com outras obras. E penso que a noite é muito pouco, a vida é muito curta para tudo o que merecemos viver.
Hoje apetece-me reler e o tempo é pouco. Mas amanhã apetecer-me-á descobrir novas palavras e o tempo será menos ainda.
Tão ingrata é a nossa existência. E tanto tempo gastamos em lamentos, como agora, e em horas vazias.

O meu mal é sem remédio. O que eu queria era água, água. Água de quatro bicas, sobre a garganta. Para adormecer. Com o sol na boca.” Eugénio de Andrade.




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2004-10-18

António Ramos Rosa 

Eu não tenho a certeza porque foi já há muito tempo, mas poderia apostar que foi com este poema que António Ramos Rosa me cativou. Ou melhor, foi com este poema que o poeta marcou lugar na minha estante de memórias, de referências. Por isso é este o poema que aqui deixo para assinalar o seu 80º aniversário.

"Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração. "




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2004-10-15

Morreu Maria Rosa Colaço 

“Junto destes olhos
Eu sou testemunha
Que a ternura nasce
Por coisa nenhuma

Por coisa nenhuma
Semente de nada
Dentro destes olhos
Espero a madrugada

Espero a madrugada
Espero o dia novo
Junto destes olhos
Raiz do meu povo

Por coisa nenhuma
Semente de nada
Junto destes olhos
Espero a madrugada

Espero a madrugada
Espero o dia novo
Junto destes olhos
Esperança do meu povo

Por coisa nenhuma
Semente de nada
Dentro destes olhos
Espero a madrugada.”






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2004-10-14

Maria Rosa Colaço viva em Abril 

"Diga-se CAMARADA. E diga-se! Mas não esquecendo os dias em que estas oito letras eram passaporte para o ar mais puro do tempo imaginado; o santo e a senha para as fronteiras sem medo.
Diga-se CAMARADA. E diga-se!
Mas não esquecendo os dias em que outros, por a escreverem num envelope simples, assim, descuidadamente como te escrevo hoje, tiveram o prémio da tortura e da humilhação, da fome e do tempo sem horas.
Diga-se CAMARADA. E diga-se!
C como CAMARADA
A como AMOR
M como morte
A como AMOR
R como raiva
A como AMOR
D como desespero
A como AMOR
Com AMOR, Morte, Raiva e Desespero se escreveu teu destino para sempre e para nunca, Camarada-Amor, Amor-Camarada, Amor-Morto, Camarada-Perdido sem cravos sobre a Terra sem braços erguidos para te saudarem, camarada anónimo sangue-semente da minha Pátria amada, renovada e livre que aqui invoco, que aqui estremeço.
Hoje, em Abril, metade de mim para sempre na António Maria Cardoso onde morreste dizendo poemas e o teu nome, liberdade, e o resto de mim repetindo morango maduro deste mês sempre novo, desta palavra doce e salgada feita de Tejo e do Sol, o teu nome.
companheiro-militante-morto
o teu nome irmão humilhado e torturado
o teu nome de irmã livre de face ao Sol e à raiva
Catarina de Baleizão
o teu nome meu pai de lábios fechados para a denúncia
e olhos feridos pela coragem dos vinte e oito anos sem amanhã
o teu nome o teu nome o teu nome
ó grande muralha de nomes abnegados e renascidos
ó grande parede branca onde a alegria
é um cravo vermelho, o mais vermelho desta luta e deste mês
que não podemos perder.
Que não podemos perder.
Que não podemos perder."






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Brinquedo novo 

É o que faz ser-se leigo em certas matérias. Nomeadamente em certas linguagens tipo html e outras que tais. Nenhuma de nós percebe nada disto. Mas não desistimos logo à primeira dificuldade. Quando não se sabe, procura saber-se. Depois é um “vê se te avias”. Não repararam já na cara semi-nova do blog? Está todo amaricado ou, pelo menos, tem mais coisas do que as que seriam necessárias ou mesmo convenientes para uma abertura de página mais rápida. Mas tomámos-lhe o gosto. Agora até já podemos honrar os nossos amigos com um link para os seus blogs. E deixar-vos sugestões. E assinar os posts sem confusões para quem os lê. É que nós não sabíamos fazer nada disto. Sabíamos apenas escrever e não tão bem como desejaríamos.
O trabalho continuará. Esperamos que se divirtam tanto a visitar-nos como nós nos divertimos a arrumar a sala.





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2004-10-13

Histórias da carochinha 

Temos este Governo. É o que temos, pois.
Querendo que ignoremos “ruídos” pretende que não demos importância à censura azulinha com que nos atapetam a vida. Conta com a nossa estupidez, com a nossa memória curta e com a conhecida serenidade deste povo. Está cheia de referências fascistas esta frase, não está? O nosso Governo também. Conta também com a nossa distracção para aceitar um discurso proferido em tom marcelista onde nos vende o peixe estragado por promessas vagas e desculpabilizações várias.
Nada de novo, até aqui, infelizmente. Mas, na corrente onda do contraditório, e falando de finanças que é afinal aquilo em que mais interfere connosco, este Governo não se entende. O Primeiro Ministro diz e o Ministro das Finanças desdiz. Nos écrans. Aparentemente, sem discussão prévia. Aparentemente sem o trabalho de casa preparado. Aparentemente sem conhecerem a matéria.
Nós vamo-nos aguentando. Não compramos o peixe, mas o seu cheiro incomoda-nos e ameaça propagar-se à sanidade que julgamos manter.
Acenam-nos com a retoma, mas os nossos bolsos continuam a ficar vazios antes do tempo, por muita ginástica estomacal que façamos. Agitam a bandeira das reduções fiscais e dos aumentos salariais mas nós já ouvimos dizer que o Ministro das Finanças não é mágico.
Procuram fugir aos ruídos, mas o barulho ensurdecedor do desemprego, da precariedade, da pobreza, do analfabetismo, do desalento não nos deixa dormir, por mais que contemos a história da carochinha aos pequenos lá de casa.
Este Governo já me cansa. O próximo também. Mas afinal dar a volta a isto não está nas nossas mãos?
Mesmo sem príncipes e princesas, queremos viver felizes para sempre.




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